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segunda-feira, 23 de abril de 2018

Ratos de Porão em Florianópolis-SC

* Resenha: Fabricio Valle
* Fotos e entrevista: Nefhar Borck

Florianópolis-SC, 21.04.2018

Quatro anos depois de sua última passagem pela cidade, RATOS DE PORÃO retornava a Florianópolis para um show no Célula Showcase ao lado dos argentinos STRÜJEN e das locais MARRETA e VELHOS PUNKS.


Esta última foi a responsável pela abertura da noite, com um set recheado de covers de clássicos nacionais (REPLICANTES) e internacionais (RAMONES, DEAD KENNEDYS) do estilo, complementadas por algumas canções de autoria própria. A banda conquistou reação bastante positiva do público que neste momento começava a lotar a casa.
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A segunda atração da noite vinha da Argentina. STRÜJEN é um power duo grindcore de Buenos Aires, formado por Chenn (baixo e vocal) e Martin (bateria). O grande destaque da banda é a frontwoman Chenn que consegue, usando somente o seu baixo, um som massivo que preenche muito bem todo o espectro sonoro, compensando a falta de guitarra. A dupla segue em turnê pelo Brasil pra divulgar o disco "Darkness Looks Alive", lançado esse ano.



Aqui cabe um parêntese pra ressaltar que tanto VELHOS PUNKS, com a vocalista Bonnie, quanto STRÜJEN da já supracitada Chenn tinham mulheres na formação e é importante vê-las ocupando espaço dentro das cenas metal e punk, ambientes historicamente dominados por homens. Assim vamos construindo um ambiente mais plural e aberto às diferenças e que o exemplo se repita cada vez mais.


Em seguida, foi a vez dos anfitriões da MARRETA, que fizeram uma tremenda apresentação, algo que já é costume. A postura da banda ao vivo é bastante sólida, com execução irrepreensível das músicas e a liderança de Felix (vocais) sempre esbanjando energia e conclamando o público para as rodas de pogo.



Encerrando a noite foi a vez do RATOS DE PORÃO, verdadeira instituição da música extrema nacional subir ao palco. Foi um set recheado de surpresas e músicas que a banda geralmente não toca ao vivo, resgatando números menos conhecidos de fases da carreira em geral meio neglienciadas, principalmente do período 1994-2006. A banda resgatou músicas como 'Suposicollor' do "Just Another Crime... in Massacreland", 'Crocodila' e 'Estilo de Vida Miserável' do Carniceria Tropical, 'Pedofilia Santa' e 'Testemunhas do Apocalipse' do "Homem Inimigo do Homem", entre outras.


Foi um show em que a banda olhou muito mais pro lado metal da sua história que pros primódios Punk/HC. Mesmo quando pinçou músicas dos seus maiores clássicos, optou pelas que tem uma pegada mais metal, tipo "Lei do Silêncio" e "Amazônia Nunca Mais".



A primeira metade do show transcorreu de forma intensa e sem muitos percalços, até o rompimento da pele da caixa do Boka. Enquanto aguardava a solução, o guitarrista Jão acendeu um cigarro, gerando desentendimento com a casa de shows, que por ser fechada, solicitou que o mesmo fosse apagado, em respeito à determinação prevista na Lei. 9.294/96. Cabe ressaltar que a postura do Célula Showcase foi correta, pois o descumprimento da normativa citada pode acarretar em multa para o estabelecimento, além do risco de incêndio e outros problemas derivados da fumaça em ambientes fechados.

Resolvido o embróglio, o show segue para a reta final com uma sequência violenta de clássicos: 'Beber Até Morrer', 'AIDS, Pop, Repressão', 'Crucificados Pelo Sistema', 'Igreja Universal' e 'Crise Geral', não sem mais um percalço técnico causado pela correia da guitarra de Jão, que o obrigou a finalizar o show tocando sentado.
                                                                   Foto Leonardo Carvalho dos Santos
Apesar dos problemas técnicos, foi mais um grande show do RDP. O trio formado por Jão, Boka e Juninho mostra cada vez mais coesão e precisão na execução de músicas de todas as fases, fruto de 15 anos sem mudanças na formação da banda desde que Juninho substituiu Fralda em 2003, enquanto que o Gordo, apesar de não ter a mesma energia de outros tempos, ainda é um ícone da cena punk/metal brasileira.
Antes de terminar, deixo registrada minha satisfação em ver que os ramos extremos da música não se furtam de deixar clara suas posições políticas. Seja na abertura do show do VELHOS PUNKS com o já tradicional "Primeiramente, Fora Temer", seja no discurso do Ricardo da MARRETA sobre as intenções de sucateamento e entreguismo do serviço público municipal pela Prefeitura de Florianópolis, seja nas intervenções de João Gordo ao dizer que tem duas certezas na vida: "a primeira é de que um dia vou morrer e a segunda de que foi golpe".

Parabéns mais uma vez ao Célula por abrir as portas pra mais um grande evento de música extrema autoral na cidade (e com a competência de sempre, o som estava irrepreensível), ao MARRETA por ter organizado esse grande evento e ao público que compareceu, praticamente lotando a casa. 

Fabricio Valle




Antes de começar a passagem de som, conversamos rapidinho com o Boka:

SFM.: Ratos do Porão está na estrada desde 1981...como é manter uma banda de hardcore/crossover no Brasil por tanto tempo?
Boka: É um conjunto de fatores que influencia pra manter uma banda por este tempo...o primeiro deles é a gente se dar bem, tem uma amizade legal e gosta de viajar, gostar do palco principalmente e a gente também não é uma banda que faz turné muito extensa, a gente tá sempre tocando, mas a gente tentou arrumar um jeito de tentar não ficar muito tempo fora de casa, pela familia, e também a gente começa a ficar mais velho. O Gordo tem mais de cinquenta, o Juninho é um pouco mais novo, mas também já passou dos quarenta...mas enfim, a gente procura não fazer turné tipo cinquenta shows. A gente sempre faz um monte de coisa mais espaçado assim. E assim, muito disso de a gente continuar é porque tem gente que ainda se interessada na banda, por que se não tivesse mais, não teria sentido nenhum...a gente já passou por épocas que o interesse era menor, shows mais vazios...às vezes você numa cidade um ano e dá uma casa cheia e depois pode voltar e a casa não encher (falando de Brasil). Então é tudo meio que um ciclo assim...fora do país é a mesma coisa, com o nome que o Ratos tem, facilita tocar em bons festivais com bastante gente, então acho que é um conjunto de fatores...nosso relacionamento, com uma forma mais "relaxada", de levar as coisas, tipo a gente vai levando, e os fãs e as fãs estão ai, ainda bem né, o que é muito legal...
SFM.: Ano passado (2017) vocês fizeram uma tour pela Europa e ...tem diferença tocar Ratos fora do Brasil e no Brasil?
Boka: Ah, cada lugar tem sua peculiaridade, até mesmo aqui dentro do Brasil, dai eu costumo curtir todas assim, mas por exemplo, públicos legais, bem emblemáticos assim pro Ratos é sempre Rio de Janeiro, Porto Alegre. São shows bastante memoráveis na história da banda, nestes dois lugares, e lá fora a gente gosta muito de tocar na América do Sul, que tem uma energia bem legal... Portugal... acho que mais os países latinos...a Europa, algo mais central, no leste europeu o pessoal curte, mas eles estão acostumados com muitas bandas passando. Ah, e agora o Brasil tá ficando assim, mas o leste europeu curte bastante...tem as suas particularidades, e acho que não fica mais tão distante o comportamento do público fora e aqui, e também tem mais uma particularidade, e como já estamos há tanto tempo na estrada, como você mesmo falou na primeira pergunta, acho que o público do Ratos ele está numa época em que está ficando mais envelhecido (risos) nosso público não esta mais só com uma galera insana. Até tem né, mas a gente já viu envelhecer e ficar mais jovem o público umas três vezes, mas eu tenho notado que a galera tem ficado um pouco mais velha (risos), muitos acima dos trinta e cinco, então a galera vai mais pra ver, mas rola uma puta energia legal.

SFM: E vocês lançaram o Século Sinistro em 2014...o Ratos tem algum projeto novo em mente? O que vocês tem pensado?
Boka: Então, não temos planos de lançar nada...o que eu acho legal de compor é de dar vazão a criatividade e refletir a evolução daquela época, das coisas que está ouvindo, a renovação, pra gente né! Acredito que parte do público do ratos às vezes até espera um material novo, os fãs mais fissurados, mas se a gente pensar friamente a relevância da carreira da banda um disco novo não vai ter muita relevância, e eu posso ver por mim mesmo, se eu for num show de uma banda que tem uns quinze discos, eu quero escutar aquelas músicas. Não quero ouvir as músicas novas...até é legal colocar uma ou duas como a gente põe...mas não vejo mais tanta relevância, pois vejo também mais como um padrão meio imposto na época em que as gravadoras tinham mais moral pra impor o que as bandas deviam fazer.  Ficar lançando disco pra fazer turnê...cara, o Ratos ter um disco novo ou não acho que é meio irrelevante...eu tenho essa visão, posso estar equivocado, mas eu também sou fã de muitas bandas e penso a mesma coisa em relação a elas...se eu for num show do Slayer, tá, vamos fazer um comparativo em tempo de banda e tempo de história. Uma banda antiga, sei lá, o D.R.I. é uma banda antiga, e tem uns quinze anos que os caras não lançam nada e tão sempre tocando...o pessoal quer ver aquilo que é fã.

SFM: E como o Ratos tem lidado com as novas tecnologias que trouxe uma nova geração, onde se compra menos disco, ou seja, temos um lado positivo, da divulgaçâo, onde o material circula mais fácil, mas temos uma mudança de comportamento dos fãs, onde a banda tem de trabalhar com mais shows...
Boka: A gente nunca foi uma banda assim com vendas astronômicas, mas é obvio que a gente sempre ganhou algum royaltie com os discos e é obvio que este royalties hoje é praticamente nenhum. Mas a gente lida normal, porque o mundo que esta aí hoje é esse, e a gente tem de pensar que todo este lance da tecnologia, do acesso, da internet não esta mudando só a maneira das pessoas ouvirem música, mas está mudando todas as relações sociais e a nível global. Então as pessoas hoje em dia lidam com suas paixões de maneira diferente, estão se relacionando de forma diferente, trabalham de maneira diferente, e isso tá junto, tá incorporado a essa mudança. Então assim, dentro ainda do underground, do metal e do punk, eu acho que tem ainda a cultura de comprar um disco, de ter a capa, ler as letras, então é um nicho que ainda curti isso, não é todo mundo mas tem. Eu tenho uma loja de som e um selo há mais de vinte anos e eu percebo isso, tem uma galera nova que tá começando agora e que começou nos ultimos dez anos que ainda curte comprar, que acha legal, mas é aquele negócio, antes quando eu era garoto, ficava na loja, esperando chegar o disco novo, do Metallica, do Ramones, acompanhando entrevista, e hoje não tem mais isso. É uma outra época e uma outra maneira, tem coisas boas e tem coisas ruins, a gente vai analisando, mas acho que tá todo mundo aprendendo a lidar com isso. Ainda vai ter muita mudança, mas cacete, o que mais vão inventar pra ter esse imeaditismo, mas sei lá, a gente não liga muito pra isso ai não... (risos)

SFM: Então, você está em Floripa desde quarta feira, pegando altas ondas, e o que você acha de Florianópolis? Os ratos curtem tocar em Floripa?
Boka: Cara, Florianópolis realmente não é um lugar em que o Ratos toca muito, mas a expectativa é grande. A gente espera que a gelera compareça aí e compartilhe com a gente....Cara isso aqui é um lugar maravilhoso, o único problema, pelo menos pra mim, como a gente tava até conversando em off ali, é que se eu morasse aqui tinha que ser rico, porque não dá pra trabalhar nesse lugar. Praias paradisíacas a cada esquina, altas ondas, pra quem é fissurado em surf que nem eu...

SFM: Obrigado Boka, por conversar com a gente.
Boka: Eu é que  agradeço o espaço e vamos lá!



Valeu





















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